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Violência, uma realidade brasileira - Pergunte a procedência

Introdução


Como todo país o Brasil tem seus problemas. No presente artigo pretende-se analisar alguns desses, como a violência, o abuso de autoridade (poder), a desigualdade e exclusão social e o preconceito racial, mas tudo sobre a ótica de um Estado Intervencionista.


A primeira adversidade a ser analisada será a violência, pois acredito que abuso de autoridade, desigualdade e exclusão social e preconceito racial são todos frutos e desdobramentos da violência. Todo mal tem raiz em algum lugar, por isso, o artigo pretende analisar essas raízes, como surgiram, quais foram as justificativas da época. Analisarei também seus desdobramentos na história, bem como as razões que mantiveram tal problema vivo até chegar nos dias de hoje. Também serão discutidas possíveis soluções para tais ‘poréns’ da sociedade brasileira, lembrando que essas soluções terão como base a ótica de um Estado Intervencionista.


Caberá aqui, também, uma comparação entre a realidade dos problemas analisados e o que é retratado no cinema brasileiro. Usarei das produções do Cinema Novo em diante, pois foi a partir desse movimento que as câmeras voltaram-se à realidade brasileira, com a intenção de escancará-la e representá-la. Filmes como “Rio 40 Graus” (1955) o representante nesse trabalho do Cinema Novo, “Cidade de Deus” (2002) e “Tropa de Elite” (2007) foram escolhidos justamente por causa do olhar da câmera, uma vez que ela mostrou as favelas, os morros, a realidade de quem lá vive.



Sobre os filmes


Em “Rio 40 Graus” (1955), mostra-se o domingo de cinco garotos negros que moram no Morro do Cabuçu e vendem amendoim em diferentes cartões postais do Rio, como Maracanã, Corcovado, Pão de Açúcar e Copacabana. Quando lançado, o filme foi censurado e o coronel Geraldo de Menezes Cortes que proibiu a exibição da obra pela segunda vez disse em coletiva: “O filme ‘Rio, 40 graus’ tem como fim a desagregação do país. Só apresenta os aspectos negativos da capital brasileira, e foi feito com tal habilidade que serve aos interesses políticos do extinto PCB (Partido Comunista Brasileiro)”. Na fala dele, de que o filme “só apresenta os aspectos negativos da capital brasileira”, já se percebe alguns dos problemas a serem analisados no artigo. Acredito que esses “aspectos negativos” que o coronel se referiu são o morro, a comunidade, os garotos pedindo dinheiro, nada menos do que uma realidade diferente da do calçadão carioca. Quanto ao episódio, Jorge Amado publicou uma nota no jornal Imprensa Popular, dizendo que tal censura era contra os “heróis do filme”, “os vendedores de amendoim, os moradores das favelas, os jogadores de futebol, os trabalhadores, os sócios das escolas de samba”. Não só isso, Amado pediu a união de intelectuais para exigir a exibição do filme, conseguindo o consentimento até de figuras internacionais. Enquanto isso, no governo, Café Filho estava no poder, logo deixando o cargo por problemas no coração. Foi substituído por Carlos Luz (presidente da Câmara), que, sem demora, foi deposto sob a alegação de tentar impedir a posse de Juscelino Kubitschek (JK). Nereu Ramos veio em seguida do ex-presidente da Câmara, na mesma época, Henrique Lott organizava o Movimento 11 de Novembro, para garantir a posse de JK. Essa foi realizada em outubro de 1955. E finalmente, em março de 1956, o filme estreou nos cinemas, com o slogan “O filme que abalou o país”, aproveitando todo contexto histórico que acompanhou o lançamento da obra.


Em “Cidade de Deus” (2002), retrata-se a história de dois meninos que viveram na Cidade de Deus, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro que nasceu de um conjunto habitacional. O enredo de Buscapé e Dadinho passa dos anos 60 até os anos 80 e mostra como um dos garotos queria fazer diferente do amigo e virou jornalista (Buscapé), enquanto o outro queria ser o dono da favela (Dadinho, que vira Zé Pequeno). Acompanhando a narrativa dos garotos, conta-se a história da formação da comunidade, do crescimento do tráfico de drogas, dos conflitos com a polícia, da segregação e da violência, tudo isso presente no dia a dia dos moradores. Apesar do filme ser uma ficção, ele se baseia na realidade carioca quanto a formação das favelas, retratando assim a veracidade da época que se estende até os dias de hoje.


Em “Tropa de Elite” (2007), mostra-se como o meio influencia o ser, uma visão do lado da polícia sobre a favela. O filme abre com a seguinte frase: “A psicologia social deste século nos ensinou uma importante lição: usualmente não é o caráter de uma pessoa que determina como ela age, mas sim a situação na qual ela se encontra”. A frase é de um psicólogo social norte americano, Stanley Milgran, que estudou “A extrema disposição de pessoas adultas de seguir cegamente o comando de uma autoridade”, (1961). Logo em seguida começa a música “Rap das Armas”, de Mc Júnior e Leonardo. O trecho que eles cantam diz o seguinte: “O meu Brasil é um país tropical/A terra do funk, a terra do carnaval/o meu Rio de Janeiro é um cartão postal/Mas eu vou falar de um problema nacional/Nesse país todo mundo sabe falar/Que favela é perigosa, lugar ruim de se morar/é muito criticada por toda a sociedade/Mas existe violência em todo canto da cidade”. Logo de cara o filme escancara como a instituição corrompe o ser, ou no sentido de se vender, ou no sentido de infringir direitos humanos usando da extrema violência. E mostra como o meio (favela) corrompe o ser do mesmo jeito, onde se vê crianças participando do tráfico, jovens de classe média caindo nas mãos de traficantes. E conclui que toda a violência e o medo da favela ser um lugar muito perigoso acaba sendo falacioso e hipócrita, pois essa deturpação do ser está em toda a cidade, em todo o país, não é exclusivo da favela. “Cada um deles (casos simbólicos retratados no filme) envolve traficantes, policiais corruptos e policiais violentos cuja subjetividade e comportamento criminoso foram moldados por instituições do Estado.” (José Padilha, O Estado de S. Paulo, 27/11/2010).



Procedência, razões, análise


A violência, seja física, moral, institucional, ou psicológica, está presente no país desde a colonização, segundo Lilian Schwartz o trabalho escravo já era em si violento, criava uma “rotinização da violência”, e além disso o medo de ser castigado só aumentava a hostilidade: “o trabalho compulsório impunha a introjeção da autoridade do senhor e uma sensação de constante medo, lograda pelo castigo disciplinar muitas vezes aplicado coletivamente.”(Brasil: Uma Biografia, 2015). Ou seja, além das péssimas condições de vida de um escravo, as condições de trabalho eram tão ruins quanto e tinham no castigo o ponto alto da violência, e no senhor a força máxima que acabava criando-a: “constitui-se no Brasil, uma arqueologia da violência que tinha por fito construir a figura do senhor como autoridade máxima, cujas marcas, e a própria lei, ficavam registradas no corpo escravo.” (Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015). Tal violência com o escravo dava-se, pois, o senhor branco sabia que era minoria e que para não ter a chance de ser atacado por seus escravos, atacava antes e deixava o clima de medo controlá-los. O controle passou a ser imprescindível: “... era imprescindível construir mecanismos de controle e manutenção da ordem escravista e desenvolver estratégias de repressão” (Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015). Desde essas atitudes dos patrões, o abuso de autoridade começou a ser usado como forma de repressão.


E como violência chama mais violência, os escravos, mesmo com o clima de medo presente, respondiam seus patrões com a mesma moeda: desde assassinatos, fugas e sabotagem das ferramentas de trabalho de modo que diminuíssem ou afetassem o lucro do senhor. Essas fugas de escravos que se juntavam em quilombos é um início da marginalização de parte da sociedade, que na época ainda não era considerada sociedade (negros e índios escravos), pois assim como nos quilombos, nas favelas a presença do Estado é mínima. Segue um “ Paradigma de Ausência” (Jailson de Souza e Silva, 2011), no qual o Estado considera as favelas como “territórios problemas”, com o intuito de destruir suas características, deixá-la homogênea com vista a enquadrá-la nos padrões urbanos.


Outra aproximação possível entre quilombos e favelas pode ser a de Lourde Carril em “Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania” (2006): “O quilombo representado pelo rap busca identificá-lo à periferia, aludindo a um território de liberdade de expressão, construído sobre um determinado código cultural que contemple sua forma de ser e de manifestar os que foram excluídos pelo sistema. ” O que está de acordo com o dito por Lilian Schwartz: “Lembrar e cultuar memórias, traços, vestígios de raízes culturais africanas foi outro ingrediente indispensável para formar a capacidade de resistência dos escravos no Brasil” (Brasil: Uma Biografia, 2015). Um exemplo disso pode ser não só cultural na expressão do rap, do hip-hop-, de saraus, como também religioso, pois muitos escravos assimilaram a religião cristã dos portugueses aos seus deuses e orixás do candomblé, assim poderiam cultuá-los em paz: “E, como não poderia deixar de ser, funcionaram como espaços privilegiados de defesa de uma vida espiritual e lúdica autônoma para os escravizados” (Lilian Schwartz Brasil: Uma Biografia, 2015). Como mostra a cena de “Cidade de Deus”, na qual Dadinho é rebatizado, transformando-se em Zé Pequeno e a partir daí passa a controlar a maior parte do tráfico de drogas da Cidade. Vale pontuar aqui que a Cidade de Deus, diferente de outras favelas, surgiu de um conjunto habitacional construído pelo governo do Estado da Guanabara (1960 – 1975 hoje município do Rio de Janeiro) de Carlos Lacerda, em 1960, onde muitas famílias eram enviadas pelo próprio governo depois de perderem suas casas em enchentes, ou em incêndios criminosos em outras favelas, a ideia era realocar as favelas do Estado e seus moradores. Pode-se dizer que a própria vivência na Cidade de Deus era violenta, não só pelos criminosos, traficantes, ou bandidos de lá, mas também pela desassistência do governo: não existia transporte, luz, nem asfalto. Essa desassistência do governo também aparece em “Rio 40 Graus”, mas de maneira mais sútil, quando mostra os meninos tendo que, além de descer um morro sem asfalto algum, fazer um esforço tremendo para conseguir se locomover do Morro do Cabuçu para as diversos cantos da cidade.


Além das raízes quilombolas das favelas, essas também têm um germe na Guerra do Paraguai. Com o fim da guerra (1864 - 1870), na qual muitos escravos foram enviados no lugar dos filhos dos fazendeiros, seria impossível mantê-los como cativos, então em 1888 a Lei Áurea alforriou-os. Porém, diferente das altas patentes (geralmente ocupadas por homens brancos), que receberam regalias e benefícios pós guerra, os negros não receberam nada, só sua liberdade, liberdade para se excluir da sociedade, não por vontade própria, mas por necessidade. Assim, se aglomerando à borda do corpo social os ex-quilombos e futuras favelas só cresciam.


Ainda hoje, a Polícia Militar e/ou o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) entra nas favelas, invasão que vem desde a época da colonização, quando se tinha a certeza da necessidade de uma força armada para entrar nos quilombos: “A solução encontrada (para o controle e vigilância dos cativos) era, de certo modo, previsível: desenvolver uma força especializada na perseguição do escravo fugido, uma espécie de tropa profissional, fortemente militarizada, com a autorização para capturar negros e com ordem para matar, incendiar e destruir qualquer foco de resistência” (Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015). Exemplo disso são as inúmeras “subidas ao morro” comandadas pelo Capitão Nascimento, em “Tropa de Elite”, nas quais eles não descem sem carregar um corpo. Não é para menos que uma das músicas que os aspirantes ao BOPE cantam durante treinamento diz: “Homens de preto, o que é que você faz? Eu faço coisas que assusta o satanás. Homens de preto, qual é sua missão? Entrar pela favela e deixar corpo no chão.” Ou seja, a caveira com uma faca atravessada, que eles carregam na farda, é mais do que um logo, é uma ideologia. E a partir dessa ideologia, da qual o BOPE tem mais poder do que os moradores das favelas, no filme, eles invadem e torturam sem escrúpulos para conseguir informações sobre traficantes e etc. Dá para se ter uma ideia de onde, como e quando começou a truculência e o abuso de poder da PM... “Se na época da escravidão indivíduos negros trafegando soltos eram presos “por suspeita de escravos”, hoje são detidos com base em outras alegações que lhes devolvem o mesmo passado e origem” (Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015). Pode-se ver isso no filme “Cidade de Deus” (além de inúmeras matérias de jornal), no qual a polícia primeiro mata o suspeito para depois pegar seu documento e saber quem ele era, apenas mais um que perdeu a vida por ser negro. Mesmo que sejam filmes de ficção, a base deles é o dia a dia de muitas pessoas, sejam elas das favelas, ou das diversas instituições de segurança do Estado.


Desse modo percebe-se que a escravidão foi e é a raiz de muitos problemas sociais brasileiros. Um exemplo simples, desdobramento tanto da violência, mas mais da desigualdade e exclusão social era a separação física da Senzala e da Casa-Grande, que hoje está posta nos prédios: “a mesma arquitetura simbólica permaneceria presente nas casas e edifícios, onde até os dias que correm, elevador de serviço não é só para carga, mas também e sobretudo, para empregados que guardam a marca do passado africano na cor” (Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015).


“Não obstante, permanece uma divisão guardada em silêncio condicionada por um vocabulário que transforma cor em marcador social de diferença, reificado todos os dias pelas ações da polícia, que aborda muito mais negros do que brancos e neles dá flagrantes. ”, (Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015). Não só pela ação da polícia, mas também do judicial, onde simbolicamente todos são iguais perante a lei, mas a cor que a pessoa carrega na pele grita mais alto do que a falsa igualdade que dizem: “Os principais resultados (de pesquisa sobre crimes violentos no município de São Paulo, em 1990) indicaram que brancos e negros cometem crimes violentos em idênticas proporções, mas os réus negros tendem a ser mais perseguidos pela vigilância policial, enfrentam maiores obstáculos de acesso à justiça criminal e revelam maiores dificuldades de usufruir do direito de ampla defesa assegurado pelas normas constitucionais” (Sérgio Adorno, Discriminação Racial e Justiça Criminal em São Paulo, 1995). Desse modo a desigualdade e a exclusão social só aumentam, uma vez que mais negros serão presos e quando soltos, mais negros estarão desempregados só aumentando a estigma do preconceito racial, onde no imaginário do pensamento comum eles terão mais abertura para entrar no crime, como se os brancos não tivessem a mesma abertura. Então, sim, “a cor é poderoso instrumento de discriminação na distribuição da justiça” (Sérgio Adorno, Discriminação Racial e Justiça Criminal em São Paulo, 1995).


Uma das bases que explica a desigualdade é que “a escravidão foi mais do que um sistema econômico: ela moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e cor marcadores fundamentais, ordenou etiquetas de mando e obediência, e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia estrita. ”(Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015). E nada é feito para diminuir essas desigualdades, “Entre os pobres, os negros são aqueles que recebem os mais baixos salários e alcançam os mais baixos níveis de escolaridade ” (Sérgio Adorno, 1995), sendo assim, os negros - independente de gênero ou idade - se encontram nos degraus mais baixos da hierarquia social. Desse modo, percebe-se como essa parcela da população brasileira, que desde os tempos coloniais é discriminada, sofre com o abuso de autoridade de diversas formas, de diversas instituições de poder e o Estado democrático brasileiro, com mais de 30 anos, não se preocupa em reformular tais autoritarismos e abusos, uma vez que desde a independência até os dias de hoje o governo tem base paternalista visando privilegiar os descendentes dos colonizadores, dos grandes proprietários de terras e não os descendentes de cativos e mulatos livres: “A sobrevivência do autoritarismo social em suas múltiplas formas de manifestação — isolamento, segregação, preconceito, carência de direitos, injustiças, opressão, permanentes agressões às liberdades civis e públicas, em síntese, violação de direitos humanos — indica que as forças comprometidas com os avanços democráticos não lograram superar as forças comprometidas com heranças conservadoras e autoritárias, legadas do passado colonial, escravista e patrimonialista.” (Sérgio Adorno, Discriminação Racial e Justiça Criminal em São Paulo, 1995). Sérgio Adorno e Lilian Schwartz mostraram estar de acordo, mesmo com dez anos de diferença de suas publicações, o que realça que, realmente, nada foi feito para acabar com essa discrepância.



Não é fácil, mas é possível (soluções)


Uma vez analisadas as raízes dos problemas e seus desdobramentos, o que fazer para sair dessa situação? Como deixar de ser violentado pelo medo que cerca a população de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro? Governantes perdem o sono, ou deveriam perder, com essas mesmas perguntas.


Se a violência for aplicada por algum aparelho de controle do Estado, como a Polícia Militar, ou o BOPE, por exemplo, o que fazer? Punir os abusadores? Mas como controlar os companheiros de trabalho que eventualmente denunciariam seu parceiro? Como controlar o abuso de autoridade deles? Aqui cabe o princípio de John Rawls (1971), de que “uma sociedade bem ordenada é um sistema de cooperação social entre indivíduos e instituições, regulada por normas e procedimentos publicamente aceitos como adequados à convivência pacífica entre todos.” (John Rawls in AMARAL, Diogo Freitas do. História do Pensamento Político Ocidental. Edições Almedina S.A., 2012.), mas como se daria a cooperação entre os parentes do assassinados pela PM e a PM? Com certeza Rawls não fez seus estudos para esse tipo de realidade, a realidade de Rawls acaba sendo idealizada e romântica perto do que realmente acontece nos confrontos entre polícia e traficantes. E se esse abuso não for aplicado pelo sistema, e sim por um homem branco da classe alta sobre um negro pobre, como resolver isso se ninguém denunciar? Basta crer na “cooperação social” (J. Rawls)? Com esse quadro (branco x negro) a única solução é a educação, pois o preconceito racial está muito arraigado na sociedade, é problema de cunho estrutural, preso nas fundações da sociedade brasileira, preso nas correntes que impediam a fuga dos escravos.


Quanto à exclusão social, basta incluir! Como se fosse fácil… Seriam necessários projetos de inclusão social, econômica e política, mas não projetos administrados por apenas uma entidade e sim por um grupo, como o Estado, ONGs, igrejas, famílias, escolas, comunidades, quase toda a população. Social, mostrando para as pessoas que vivem aos pés do morro que quem está lá no alto não é necessariamente mau, nem bom, assim como as pessoas daqui debaixo podem ser os dois também, pois tal visão de bom e mau é muito rasa e maniqueísta. Projetos que miscigenassem mais uma vez as cores, mas que dessa mistura não nascessem mais preconceitos e sim mais amizades, ou no mínimo o respeito: “Por isso, o problema está em conceber uma forma de organização social que seja tão eficiente quanto possível, mas que não ofenda nossas noções do que deve ser (para todos) um modo de vida satisfatório”(John Maynard Keynes, 1926). Keynes tinha a certeza da necessidade de uma “organização social” boa para todos, mas sabia o quão difícil seria fazê-la. Econômica, pois querendo ou não os olhares mudam conforme o quão cheia está sua carteira, então seriam fundamentais projetos que ajudassem quem tem menos, algum tipo de imposto baseado na renda de cada um: os ricos pagando mais que os pobres, e nesse ponto o Estado Intervencionista seria o agente principal, uma vez que ele formularia tais leis, pois “..segundo Keynes, a causa da crise não provinha dos mais pobres, por ganharem demais ou por não quererem procurar empregos, mas sim dos mais ricos e do Estado, que não gastavam o que seria normal e aproveitavam para poupar em vez de investirem de modo a criar novos postos de trabalho e reabsorver o desemprego. A culpa era pois da doutrina liberal...” (Keynes in AMARAL, Diogo Freitas do. História do Pensamento Político Ocidental. Edições Almedina S.A., 2012.), ou seja, Keynes viu que o Estado Liberal não era igualitário, e que seu mecanismo “autorregulador” era falho, pois quem tem capital, em crises, não o usa visando diminuir ou acabar com a crise, apenas guarda-o para acumular mais. E política, pois de nada adianta ter como representante na “casa das leis” alguém que não represente e que não viva as mesmas experiências que vive alguém da favela, ou seja, “um governo que visa (com sucesso ou não) o benefício imediato da classe dominante, em perpétuo detrimento da massa.”(John Stuart Mill, Considerações sobre o Governo Representativo, 1981). Representação seria imprescindível, mas de preferência alguém do morro para opinar pelo morro e que esse tipo de deputado (no sentido de representante) tivesse a mesma voz que algum deputado da classe alta, o Estado abriria suas portas para o morro, ao invés de só ouví-lo para propagandas políticas para depois deixá-lo à deriva. Outra inclusão primordial é a dos ex-detentos, que são vistos com maus olhares pela sociedade que nem se esforça em recebê-los de volta. Seriam úteis projetos que abrissem espaços na sociedade para os ex-reclusos, úteis não só para eles, como para toda a população.


Quanto a desigualdade social, basta uma reforma agrária seguida de uma redistribuição de riquezas, simples assim. Não? Lógico que não! Se pessoas viram os olhos para quem lhes estende a mão pedindo alguns trocados, como aconteceria essa redistribuição? Solução totalmente utópica. Mais uma vez o Estado entraria com uma educação forte e igualitária. Criação, ou melhoramento de escolas públicas onde estudassem filhos de ricos e de pobres, negros, brancos e mestiços. Solução que também caberia para o preconceito racial, pois a convivência com o outro, tiraria o ar de diferente, de estranho que é respirado por muita gente.


Então, o Estado, uma vez intervencionista, deve se envolver ao máximo em projetos sociais, econômicos e políticos, deve-se arriscar em novos caminhos: “O que verdadeiramente importa não é que o Estado passe a fazer o que o s indivíduos já fazem, ou que o faça um pouco melhor ou um pouco pior do que os privados; mas sim que faça aquilo que ninguém faz ou pode fazer” (John Maynard Keynes, 1926).




Referências bibliográficas

  • Jailson de Souza e Silva, 2011 - http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2011/07/estado-favelas-paradigma-da-ausencia-391388.html

  • http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_igualdade_que_nao_veio.html

  • Sérgio Adorno, Discriminação Racial e Justiça Criminal em São Paulo, 1995 - https://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/203942/mod_resource/content/1/Adorno.pdf

  • Lilian Schwartz, Brasil: Uma Biografia, 2015

  • Lourde Carril, “Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania” (2006)

  • http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/discussoes-acaloradas

  • http://www.sarasuati.com/cidade-de-deus-uma-reflexao-social-no-cinema-nacional-brasileiro/

  • https://www.letras.mus.br/cidinho-e-doca/941509/

  • José Padilha, Carcaça de uma sociedade, O Estado de S. Paulo, 27.11.2010

  • John Maynard Keynes in AMARAL, Diogo Freitas do. História do Pensamento Político Ocidental. Edições Almedina S.A., 2012

  • John Rawls in AMARAL, Diogo Freitas do. História do Pensamento Político Ocidental. Edições Almedina S.A., 2012

  • https://jus.com.br/artigos/29423/a-crise-da-representatividade-no-brasil

  • John Stuart Mill, Considerações sobre o Governo Representativo, 1981


Filmes:

  • Cidade de Deus (2002), Direção: Fernando Meirelles

  • Rio 40 graus (1955), Direção: Nelson Pereira dos Santos

  • Tropa de Elite (2007), Direção: José Padilha

Outros textos
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