De crianças eles não têm nada
Desde o final de 2015, estudantes de escolas públicas se organizaram contra a política que o governo do Estado de SP queria implantar. O governador pretendia fechar algumas escolas, mudar alunos de unidades próximas de suas casas, e chamou toda essa bagunça de “reorganização”. Os secundaristas, como ficaram conhecidos os estudantes, se uniram e lutaram contra a tal reorganização, e sem apoio de nenhuma ONG, partido, sindicato ou instituição conseguiram que o governo deixasse de reorganizar as escolas públicas em 2015. Com a chegada de 2016, mais um escândalo. O desvio das merendas fez com que, mais uma vez, os secundaristas se organizassem por conta própria e pedissem a abertura de uma “CPI das merendas”, para que sejam investigadas as ações da “máfia da merenda”. Em toda essa atitude política dos secundaristas, percebe-se o quanto essas “crianças” entendem de direitos e deveres dos cidadãos.
Na França, nota-se um movimento parecido em alguns aspectos. O “Nuit Debout” é um movimento apartidário, sem ajuda de ONGs, instituições, sindicatos, etc. Um movimento totalmente realizado por cidadãos com a ideia de debater o panorama político, uma grande conversa contra a corrupção, a autoridade, o radicalismo político. Esse movimento não prevê a criação de um partido, como ocorreu na Espanha, com o “Podemos”. Tanto que uma das críticas que sofre é justamente a falta de precisão nos objetivos, porém a ideia da organização é devolver o controle da política para os cidadãos. Alguns slogans usados pelo movimento são: “Juntos nós somos uma força imensa” e “Geração revolução”.
Concordo que o movimento francês é inusitado, e tem uma boa pauta para defender, mas acredito que se eles olharem para os jovens em São Paulo, poderão aprender muito sobre organização de massas e reivindicações políticas. Chamaria de “geração revolução” os secundaristas, que por um sentimento de unidade, de amor pela escola, pelos colegas e de uso do espaço público se uniram. Isso sem a ordem de nenhum adulto, muitas vezes contrários aos próprios pais e mesmo assim, lutaram contra um órgão político muito maior do que eles, mas que não teve forças para combater os jovens, os quais impediram as reorganizações e hoje lutam contra a corrupção. Muito mais ativos na luta do que o Nuit Debout.
Mas o Estado, em um movimento totalmente autoritário que remete à direita radical-militar de 64, usa força policial para deter os estudantes. Muitos secundaristas foram arrastados, violentados e combatidos com arma de fogo. Fotos e vídeos dos movimentos estão para provar a truculência da PM, assim como acontecia no tempo da ditadura. Mas sem apelar para a violência, os jovens usam de músicas irônicas, da dialética e da ocupação como forma de pressão política sob os governantes.
Com a ação desses estudantes, a sociedade brasileira tem muito a aprender. Jovens, por conta própria, se organizaram, se armaram sem fogo e lutaram sozinhos - com o apoio apenas da mídia alternativa - contra um Estado inteiro que quer tirar deles os direitos básicos de um cidadão, como se eles não contassem como parte da sociedade. De crianças eles não têm nada, mas sim uma cabeça muito mais formada e organizada do que muitos adultos que estão dentro ou fora do poder.